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19
mar-2014

Meninos caçadores (Parte I)

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Ansiosos, gestos rápidos e falas curtas, os meninos insistem em nos levar ao mangue para armar ratoeira e pegar gaiamum (uma espécie de caranguejo). É de manhã, quarta-feira, o almoço e a escola chegarão em breve, mas não há argumento que os convença de que aquele não é um momento adequado.

O combinado é ser breve, achar o local, armar a ratoeira e voltar. Impossível, já deveríamos saber. Caçar não é algo que se faça com tempo marcado, com regras externas a própria caça. Quando se sai para caçar é necessário deixar o tempo para trás e viver o tempo do animal, o tempo do momento presente, do estar ali intensamente.

As ratoeiras eram emprestadas, o que gerou uma tensão extra para essa caça, afinal, é preciso largá-la armada com uma isca e voltar outro dia para verificar se o gaiamum caiu ou não na armadilha. Caso um outro grupo de meninos passe por lá e encontre a ratoeira, certamente não a deixará intacta no local. Perder essa ratoeira significaria se explicar para o dono, além da tarefa de confeccionar uma nova.

Confeccionar uma ratoeira tornou-se ainda mais difícil desde o momento em que os fabricantes de óleo de cozinha resolveram que suas embalagens não seriam mais de lata e sim de plástico. Aliás, não só a ratoeira, mas inúmeros brinquedos sofreram adaptações depois que os fabricantes de óleo tomaram essa decisão.

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Achar o buraco na lama habitado pelo gaiamum exige saberes específicos sobre as fezes desse crustáceo. A consistência e o local onde foi deixado dão sinais se há ou não um habitante ali.

Os meninos mal podem nos explicar o que fazem, estão absolutamente mergulhados no chão e absortos em captar os sinais do ambiente. Certo, vamos apenas acompanhar os gestos deles e compreender o que tiver que ser compreendido baseados exclusivamente nesses gestos.

Certificado que há gaiamum morando ali dentro, tiram o limão do bolso e espremem algumas gotas dentro do buraco. Um tempero atrativo para que saia mais tarde em busca de alimento.

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Chegou o momento de armar a ratoeira. Gestos finos, pouca fala, precisão nas mãos… bem diferente daquela ansiedade logo pela manhã. Agora o tempo é de silenciar o corpo e entrar no gesto do caçador que não desperdiça movimentos. Um pedaço do limão é delicadamente posicionado no interior da ratoeira, de tal forma, que ao mínimo toque seja acionada o fechamento da “portinha”. Uma engenhoca incrivelmente funcional.

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Tudo armado, agora é hora de voltar para casa e se arrumar para ir para a escola e, ao final do dia, voltar para verificar se o gaiamum comeu a isca, certo? Não. Ir embora agora? Isso é uma missão quase impossível. E todos os outros caranguejos que estão pedindo para serem caçados? Como os olhos desses meninos podem ver essas criaturas, sem serem impulsionados a capturá-los? Como entrar em uma sala de aula logo depois de armar ratoeira? Com que corpo esses meninos, ainda sujos de lama, vão conseguir sentar a frente de quadros e ouvir o professor? Já devíamos saber disso. Impossível querer tirá-los desse universo. Mesmo contrariados lá foram eles tomar banho, vestir a camisa da escola e entrar em outro universo.

Texto e fotos: Renata Meirelles

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