mar-2014
Bumba meu Boi – São Pedro
Recebemos aqui no Maranhão a visita de nossa amiga e pesquisadora de Bumba meu Boi, a Prof. Dra. Soraia Chung Saura, que nos presenteou com lindos relatos desse encontro:
No dia 28 por fim, preparamo-nos para acompanhar o “São Pedro”, assim é nomeada esta outra festa. Agora os grupos não se dividem em arraiais pela cidade: concentram-se todos aos pés da Igreja do santo.
A igreja está mesmo no alto de um morro, é toda vidro e madeira, brilha luz fulgurante a nós, reles mortais, lá embaixo. Reconhecida nossa pequenez, subimos imensa escadaria de degraus altos. Dentro da Igreja a imagem de São Pedro em uma barca lindamente enfeitada, flores e perfumes. Com responsabilidade de fazer chover, controlador do tempo e das tempestades, ele é padroeiro dos pescadores. Assim, santo de todos nós, à deriva vida afora. Costuma ser homenageado pelo mundo com procissões marítimas e terrestres, troveja felicidade, mas homenagem assim, nunca tínhamos visto. Isto porque os batalhões de bumba-meu-boi, todos juntos reunidos, com instrumentos percussivos, fazem mesmo nossa terra tremer. São Pedro, lá no alto, de dentro de sua redoma de vidro, a todos avista: a escadaria e os que nela sobem (alguns de joelhos e em lágrimas), os grupos de boi que um a um adentram estrondosamente a igreja e desfilam suas belezas para o santo ? sem nunca parar de tocar e dançar? o pátio que se abre lá embaixo com a multidão de boieiros, a avenida beira-mar e o horizonte marítimo.
O espetáculo é todo para Ele, mas ficamos entorpecidos diante de tamanha demonstração de força, coragem e fé dos brincantes. A noite do dia 28 é um cenário a ser percorrido e todos a enfrentam com disposição e sem medo. “O reino da noite não conhece nem o tempo nem o espaço” já dizia Durand. Brincam e nesse jogo simbólico, imagético, exaltante e exultante, não se cansam nunca. Costumam dizer: “Brincadeira que não amanhece é brincadeira de criança” É importante amanhecer o dia, ver clarear as trevas da noite, depois de duro e árduo trabalho, passar pelos festejos, clarear, à luz de todo esforço. A aurora apresenta mais força incontida ainda, linda! Os batalhões “guarnecem” aos pés da Igreja e do santo.
Ainda na madrugada, encontramos Tião Carvalho. Com olhos de festeiro, ele nos ajuda a olhar. Aponta lá para baixo: “Olha aquele grupo concentrado. Olha aquele outro: é grande! Prepara-se para subir.” Em seguida, aquele aglomerado de pessoas explode escada acima. Sobem com força e energia, balançando-se animados. Tocam com toda força, como se já não tivessem brincado por toda uma noite. Adentram a igreja ribombando estrondoso batuque. Postam um Boi reluzente e enfeitado aos pés do altar. Se eu fosse o santo, me emocionaria ante o espetáculo dos homens. Pouco cremos no que nossos olhos assistem.
O dia 29, dia de São Pedro propriamente dito, é um dia que brilha um pouco nublado. Réstia de luz dourada ilumina a imagem, que é levada pelo corpo de bombeiros para uma balsa a beira mar. São Pedro e seu barquinho vão, com todos os nossos desejos para o ano vindouro. Em alto mar, embandeirado e colorido, vagando moroso. Depois de uma noite inteira, olho meus amigos. Sinto gratidão imensa, estar com eles, estar viva.
Texto: Soraia Chung Saura
Fotos: Renata Meirelles
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