mar-2014
Bumba meu Boi – São Marçal
Aqui no Maranhão recebemos a visita de nossa amiga e pesquisadora de Bumba meu Boi, a Prof. Dra. Soraia Chung Saura, que nos presenteou com lindos relatos desse encontro.
Creio que não nos recuperamos por inteiro do São João e do São Pedro, quando nos decidimos a ir ver as comemorações de São Marçal, em 30 de junho, no reduto do Santo, o João Paulo. Falamos de festas seculares, que acontecem na cidade há quase 100 anos, não aguentamos perder a oportunidade de estar. Quem seria São Marçal? E porque no João Paulo, essa avenida comprida a perder de vista? Conta-nos um boieiro que é um santo renegado pela igreja, cujo altar fora removido daquele local. Ainda assim, não se removeu a fé no santo de origem duvidosa e seus milagres foram consagrados por anos a fio, por isso seguem brincando os bois de sotaque da Ilha, no mesmo local, todo ano.
Agora os brincantes percorrem a avenida e o dia, do amanhecer ao final da tarde, faça chuva ou faça sol. E no caso em questão, que sol! De arrefecer qualquer animo festeiro. Mas o cenário é quase fictício: uma multidão paramentada, em meio a uma balbúrdia de feira. Ambulantes, toda sorte de carrinhos e serviços, carros de som, instrumentos, balões e boizinhos em infinitas girândolas. Artesões ao chão constroem matracas para os desavisados de última hora. Caldo de ovos, de camarão, sururu, camarão seco, ovos de codorna, tudo para tonificar e revigorar qualquer intensão mais dissolvida. Tratava-se de uma multidão.
Agarramos firme a mão das crianças. Era tanta gente que hesitamos. Mas seduzidos pelos personagens que avistávamos ao longe, continuamos. Um dos mais impressionantes é o Caboclo de Pena, figura emblemática na brincadeira. Imponentes e impressionantes, dançam movimentando-se violentamente e circularmente. Giram em torno do próprio eixo de sua existência. É grande e espaçoso por conta do diâmetro circular de seu chapéu imenso e horizontal, com mais de 1 metro de diâmetro, feito só de penas, estas voltadas para baixo. Carrega aproximadamente 10 quilos de pena, 08 apenas na cabeça. As penas de avestruz, vindas de longe e costuradas uma a uma, formam esta trama que transveste o ser humano de uma roupagem invencível, transformando sua condição comum e vulneravelmente humana em uma condição encantada. “Caboclo de Pena não se vê os olhos”. Todo o seu movimento remete à ancestralidade inerente a todos, é a inesquecível imagem de um ser selvagem. Olhando o Caboclo, o que fazemos é recordar. Postar-se ao lado de um deles é estar sob irresistível vendaval. A dança do Caboclo venta, venta, levanta fitas, joga lufadas no rosto dos brincantes. Nunca havia visto tantos de uma vez só! E sob sol escaldante, desfilam outros personagens a atravessar a avenida jovialmente como se o tempo estivesse fresco: as índias, também em penas imponentes, as burrinhas montadas muitas vezes por crianças, os vaqueiros, os instrumentistas todos e os próprios bois.
As imagens se formam e se desfazem em nossa frente, no jogo dos brincantes que não desfilam, jogam uns com os outros. Poderosos personagens, poderosas narrativas, imagens. Nós não jogamos, estamos muito contentes em participar assistindo. É a última festa, essa encerra este ciclo junino. Saímos delas muito diferentes do que quando entramos: com o mesmo sentido de renovação e dever cumprido descrito pelos boieiros, mais fortes do que nunca para as agruras do ano. A despedida, circular, já anuncia a nossa volta. Porque, como disse uma senhorinha brincante para a Renata: “Isso é a nossa vida!” E assim, até para o ano que vem.
Texto: Soraia Chung Saura
Fotos: David Reeks e Renata Meirelles
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Tenho acompanhado a festa via publicações, muito linda Gostaria de saber como faço para conseguir uma IMAGEM FÍSICA, a minha escolha de São Marçal.