mar-2014
Canoas de isopor
Mar pede navegar, pede flutuar com velas aprumadas com o vento, pede precisão de meninos certeiros no corte do isopor ao construir suas canoas.
Aqui em Tatajuba estamos aprendendo sobre a natureza do brincar líquido. Estamos percebendo o quanto um bom capitão de canoas de isopor precisa conhecer os movimentos do ar mais até mais do que da água. A simetria do peso dos ventos contrabalanceada por pedrinhas ou lama dentro das canoas. Conhecimentos do universo da navegação.
Os meninos aqui têm dois tipos de canoas: de isopor ou de raiz da timbaúba. Enquanto aguardamos a raiz da timbaúba secar dias no sol, fomos aprender como fazem as de isopor.
Achar o isopor para tantos meninos não foi um problema, afinal, o Seu Zé Arteiro compra isopores quebrados, junta toneladas no seu quintal, e os usa para encher as balsas que atravessam turistas de lá pra cá de Jericoacoara.
Assistir as mãos dos meninos em cortes precisos do isopor, que retiram os excessos e vão aos poucos apresentando o formato certinho da canoa, é um presente para nós. Suas mãos erram bastante também mas a persistência segue na frente e a canoa acontece de um jeito ou de outro.
Os gestos sutis do corte são redobrados no feitio dos mastros. As talas do mastro e da tranca precisam ter peso ideal, tamanho certo, “senão não presta para navegar”, dizem eles. A vela, ou pano como eles chamam, é de sacola plástica costurada detalhadamente por toda sua dimensão.
Uma manhã inteira para dar a forma a canoa de isopor, outra manhã para construir os mastros e lemes. Foi só no terceiro dia que tudo ficou pronto para colocar as canoas na água e fazer as regatas.
A regata é o pico da brincadeira, mas nem por isso o principal. Fazer o brinquedo é brincadeira pura, é mergulhar nas entranhas dos materiais e ir dialogando com eles nos mais diversos caminhos do imaginário.
Quem não sabe fazer permanece ao lado usufruindo dos principais mecanismos de aprendizagem: a observação silenciosa e atenta. Ninguém ensina ninguém, mas todos aprendem fazendo junto.
As regatas das crianças acontecem seguindo os padrões daquelas realizadas pelos adultos, jogo sério, compromisso de competidor. Em anos anteriores eles chegaram até a pedir patrocínio de R$ 1,00 para os comércios da comunidade. Conseguiram arrecadar R$ 5,00, que foi o prêmio do vencedor.
A regata acontece nos melhores momentos de vento do dia. Cada qual se posiciona no mar com sua canoa e com a fé de que será o vencedor.
Ao sinal de “já” simplesmente tiram as mãos da embarcação e o vento faz todo o resto. Só vale encostar nela novamente caso tombe ou mude de rumo, senão, é correr até a chegada para conhecer o vencedor.
Três dias de pura expectativa que vale quanto pesa.
Texto e fotos: Renata Meirelles
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