jun-2015
Território do Brincar: um filme para nos fazer pensar e aprender a brincar
O texto pode ser lido no blog Venha Conhecer a Vida ou a seguir:
Viagem de carro. Percurso corriqueiro agora, entre Campina Grande e João Pessoa, na Paraíba. Cerca de 120 Km. Eu estava no banco de passageiros, Morena, minha filha de pouco menos de cinco anos, na sua cadeirinha, atrás. Ouvi sua voz, como se conversasse com alguém. Percebi que não falava comigo, mas consigo. Olhei para trás e vi que tinha um semblante de alegria. Não resisti e perguntei o que ela estava falando. “É uma brincadeira que eu inventei, mãe. Para as pedras pequenas, digo ‘pequena’. Para as grandes, digo ‘grandes’”. Meu semblante passou a ser de alegria também e até brinquei de observar o tamanho das pedras na estrada, junto com ela. Fui tomada por uma sensação boa, de contentamento, por ela estar observando as coisas, o caminho, o percurso. Porque fora capaz de inventar uma brincadeira e se entreter e se divertir com ela. De repente, a brincadeira tão simples me dava um aval para a opção de não termos tantos produtos eletrônicos e de não disponibilizar tão facilmente os que possuímos, de não termos o carro cheio de aparelhos de DVD, de oferecer à pequena a oportunidade de olhar para os lados, de ver, fazer conexões, imaginar, criar, inventar uma brincadeira num caminho. Não gosto muito de comparar tempos, infâncias. Vejo que seria impossível para a minha filha viver da mesma forma que eu ou seus avós viveram. Isso é a passagem do tempo, são as mudanças, o futuro, com seus ônus e bônus. Mas acredito, e já escrevi aqui sobre isso, que aparelhos como celular, tablet, dvd, vídeo games podem e devem ser evitados, adiados, postergados, sem que isso signifique qualquer prejuízo a uma criança, principalmente na primeira infância. Mais uma vez cito a pedagogia Waldorf como indutora desse comportamento. Ela que me mostrou a força de panos, tocos, brinquedos simples de pano e de madeira para despertar a imaginação e fazer a criança brincar e, nesse brincar, vivenciar desafios, limites, sonhar, aprender, crescer. Embora tente manter um pouco dessa linha em casa, tomei um choque e senti meus esforços como mínimos ao assistir ao filme Território do Brincar, que felizmente, está sendo exibido em João Pessoa, onde moro há dois meses. Território do Brincar é um projeto (territoriodobrincar.com.br) que ganhou um longa-metragem, feito por Renata Meirelles e David Reeks. Preocupa-se com a expressão mais genuína da infância, como diz o site, o brincar. Na telona, um documentário ou um apanhado de imagens de crianças brincando Brasil afora. Não sei muito sobre a ficha técnica e, nesse momento, não quis pesquisar para não ser sugestionada no que senti sobre o filme. Mas li que as imagens foram capturadas em dois anos. Ali pode-se ouvir alguns diálogos e falas infantis e uma música maravilhosamente bem colocada do grupo mineiro Uakti. É preciso ter humildade para ver a película e constatar que, talvez, nossos filhos não precisem de todos aqueles brinquedos/parafernálias que julgamos que são imprescindíveis e que enchem nossas casas. Sim, já encheram a minha e foi difícil me desfazer de tanta coisa para alguém com tão pouco tempo de vida. E continuam a existir mais na linha ‘educativa’. E fica a pergunta martelando. Mas se não precisam de nosso consumismo e de tantos brinquedos que brincam por elas, do que precisam? Como posso contribuir para uma infância mais livre, criativa e feliz? A resposta que ficou no ar foi de que as crianças precisam de outras crianças, de espaços que possam explorar, de menos vigilância, precisam ficar um pouco com elas mesmas, sem nós adultos, em histeria para contornar desavenças, desarmonias entre elas e seus pares. No ‘Território do Brincar’ o foco não são crianças urbanas. São indígenas, ribeirinhas, quilombola, pobres, pensaríamos,enfim. São crianças inventoras. Como todas seriam se déssemos oportunidades. Brincam em grupos, comumente. A imagem que lembro de uma criança brincando só, foi justamente de uma urbana, que parecia estar em um apartamento, com uma casinha de madeira, que sei muito bem quanto custa. E é alto o valor. Nos sentimos tentados a sentir pena delas, às vezes. Pensamos no excesso das nossas casas e na escassez das delas. Mas seria muito pouco. Acho que elas se sentiriam tentadas a ter pena dos nossos meninos trancafiados, isolados, super monitorados e informatizados. São infâncias. São lugares diferentes de um mesmo tempo que vivemos. É surpreendente a destreza dos meninos e meninas. Manipulam facas, facões, serras, linha e agulha – talham, costuram, empinam e empilham seus brinquedos/criações, sobretudo, liberam sua emoção e inteligência criativa para forjar um mundo com suas próprias mãos. Reusam objetos encontrados em sucatas, no lixo, na natureza. Fazem engenhocas. Nos olhares deles, às vezes percebemos as sinapses acontecendo – quando aparentemente erram – como se houvesse erro no brincar – e retomam do começo, refazem, repensam, resolvem. Concentradíssimos. Campeões estão as brincadeiras de casinha, de cozinhar, até de verdade, de imitar um dia a dia que vivem como protagonistas lá, na telas. Mas nas nossas casas urbanas, penso que são como coadjuvantes, à medida em que podamos sua autonomia e esvaziamos sua condição de crianças. Campeões são as rodas, as cordas, as pipas. Campeões são os sorrisos. Campeão é o imperativo do faz de conta. Do polícia e ladrão. Das armadilhas para pegar caranguejo. O filme não aconselha, não censura, não é uma fábula deixando sua ‘moral da história’. Mas talvez seja. Talvez faça isso mesmo. Com sua maneira sutil, poética, musical, corajosa. Com seus silêncios e falas de crianças. Para mim, continua o desafio: se não precisam de nosso consumismo e de tantos brinquedos que brincam por elas, do que precisam? Como posso contribuir para uma infância mais livre, criativa e feliz? Luz, câmera, AÇÃO!!!!
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