mar-2014
Concertina
Como as crianças aprendem uma tradição? Como seguem o ritmo da vida e da cultura de um povo? Normalmente, fazem juntos com quem sabe, aprendem fazendo, criando laços com o fazer enquanto estão fazendo. Um exemplo disso presenciamos em como as crianças em Santa Maria de Jetibá aprendem a tocar concertina.
A Equipe do Projeto Território do Brincar visitou uma aula de concertina. Da mesma maneira como ocorre com a língua pomerana, o aprendizado da concertina acontece sem métodos consagrados, mas com pessoas preocupadas com sua sobrevivência nos dias de hoje. Um fazer junto, participando lado a lado de alguém que detém os conhecimentos.
No que diz respeito a língua pomerana, encontramos um município inteiro empenhado em mante-la viva, como a mais importante forma de preservar suas tradições. Na maioria das casas nos distritos rurais de Santa Maria de Jetibá, as famílias falam pomerano em casa com seus filhos e deixam que a escola e a vida brasileira cuide do português.
Porém, em relação a concertina, sua preservação tem sido um pouco mais precária. Segundo Angelino Zááger, professor da aula que visitamos, a concertina no Espírito Santo teve um renascimento só nos últimos anos, quando o instrumento já estava sendo aposentado para dar lugar ao seu primo mais ágil e fácil de aprender: a Sanfona. Foi através de alguns festivais de música tradicional da região, que começaram a incluir tocadores de concertina na sua programação, que fez ressurgir uma onda de valorização e interesse em aprender esse instrumento.
“Há uns 11 anos apareceu alguém tocando concertina em um Festival de Música em Linhares. A partir daí todo mundo sabia tocar.” disse Sr. Orlando Barth, um tocador em Santa Tereza. Na verdade, os apaixonados pelo instrumento estavam isolados e escondidos, mas com o surgimento de Festivais dando o valor para o instrumento e para a música, uniu os tocadores e todos aqueles que gostam de dançar.
O destino da concertina podia ter sido pior se não fosse seu papel integral na festa mais importante na vida pomerana : puxando a dança dos noivos em casamentos pomeranos. No primeiro casamento que fomos na comunidade de Alto Santa Maria, a dança dos noivos durou 1 hora e 40 minutos. Enquanto um senhor de idade segurou a peteca da música esse tempo todo, sem apoio de outros instrumentos, o noivo e noiva fizeram inúmeras voltas no salão com convidados disponíveis a pagar uma pequena quantia em dinheiro, para o privilégio de rodar com o casal. A energia dessa etapa da festa é delirante, um exemplo típico da alegria festiva desse povo e uma bela pista para entender porque alguém gostaria de aprender a tocar concertina.
No Município de Santa Maria de Jetibá, as aulas acontecem há seis meses no Distrito Luiz Portratz. Toda quarta-feira à noite Angelino senta no seu banco e oferece pequenas aulas individuais para nove alunos que variam em idade de 12 a 66 anos. Toca uma concertina que ele próprio construiu, e os seus alunos, um a um sentam de frente para sua calma de olhar e tentam acompanhá-lo. Os outros alunos, enquanto não estão tocando, prestam uma atenção de verdadeiros aprendizes. Pois, assim como Angelino, a presença deles ali é absolutamente regida pela paixão para o instrumento.
Quando perguntado sobre seu dom de ensinar, ele repete para todos o que falou para seus alunos na primeira aula: “Eu não sou profissional da música ou da concertina, nem de ensinar. Mas o que eu sei, eu passo. E depois, o que vocês querem tocar, isso fica a critério de vocês. Eu passo as posições dos dedos. Eu tenho músicas para ensinar, mas isso é para pegar costume e vai embora depois. Enxada na mão e vocês capinam o que quiserem.”
Claro que uma das músicas que mais interessa aos seus alunos é a dança dos noivos.
Angelino também dá aulas no seu próprio município, Domingos Martins (ES), duas noites por semana. Porém lá, ele recebe um pequeno salário da prefeitura. Em Santa Maria do Jetibá, ele ainda aguarda apoio oficial. Enquanto o apoio não vem, seu trabalho voluntário de ficar três horas em aula, lidando com iniciantes, e mais uma hora para voltar para casa é alimento de satisfação em estar fazendo sua parte para manter vivo o instrumento do seu coração.
Texto e fotos: Renata Meirelles
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