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17
mar-2014

“Eles pensam que a gente não sabe de nada”

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“Eu acho que eles pensam que a gente não sabe nada” respondeu quando eu perguntei porque os adultos vivem dizendo, hoje em dia, que criança não sabe mais brincar. Pergunta estranha, deve ter pensado. Carlinhos não tem dúvida dos seus saberes, simplesmente faz, sem perder a chance de viver em silêncio.

Nos seus códigos de expressão, palavras não são seu forte. Diz de si ao cortar, raspar, furar, lixar, ao tentar de novo. Suas mãos são fazedoras de desejos. Constrói carros de madeira maciça, canoas de talo de buriti, carrinhos de boi da raiz da cortiça, tudo isso esculpindo com facão essas madeiras de pesos tão diversos. É capaz de passar um dia olhando o vento soprar pela fresta mansa da janela. Não tem o tempo como seu inimigo, ao contrário, adora ficar horas assistindo-o passar por detrás do cajueiro largo de frente de sua janela.

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Meninos dessa qualidade não se ajustam direito nos bancos da escola. Fazem votos que alguém perceba o canto dos pássaros vindos lá de fora. Sentem-se esvaziados quando as mãos carregam apenas o pouco peso dos lápis e canetas. Costumam levar para casa recados de seus fracassos.

Dizem que lá dentro ele ganhará o visto para ser alguém na vida. Caso preencha todos esses papéis e lote os cadernos e livros de palavras corretas, terá sucesso garantido, será um cidadão de verdade.

Carlinhos vê verdade nas formas sinuosas dos carros que ele mesmo constrói e que aprendeu só olhando “o moço ali fazendo”. Enxerga verdade no balançar do peixe que tira do anzol, como aprendeu a fazer com seu pai. Vê sentido e verdade no cheiro quentinho da farinha quando ajuda os mais velhos a cevá-la e torrá-la. Os olhos chegam primeiro quando ele se põe a aprender a ser. Uma pena que os aprendizados do olhar não tem tanta força como os do papel.

Sua mãe traz a agonia de zelar pelo seu futuro. Comprou o discurso de que é preciso saber reproduzir corretamente os conteúdos escolares para ter um bom emprego, de preferência na cidade, sair dessa vida “sem futuro” da roça.

Um destino traçado em uma linha reta e sem volta, desde o dia em que se sentou naqueles bancos: cumpra suas tarefas escolares e serás “bem-sucedido”.

Seu pai não recebeu a “benção” escolar e assume que hoje não é cidadão de sucesso. Rege a lenda que essa tarefa é agora missão dessa geração, tão cheia de oportunidades.

Carlinhos sente pena que não estão ouvindo os pássaros lá de fora. Muito menos os lá de dentro.

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Texto e fotos: Renata Meirelles

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